O relato de Natália Kliutcharióva, que nos chega por meio desta publicação, se inicia no dia em que o presidente russo decretou a invasão à Ucrânia: 24 de fevereiro de 2022. Durante este ano, Natália anotou o que nela repercutia: do comportamento de adultos e crianças, na vizinhança, nas ruas, praças e no campo; de sua dor frente à angústia de pertencer a um país agressor de outro onde residiam parentes e amigos muito próximos; e de sua impotência diante da propaganda oficial e da repressão. Foi registrando, dia a dia, sua vivência e medo crescentes junto às suas filhas e amigos, sob ameaças cada vez mais aterradoras e fatos que habitualmente chamamos de "surreais": escrever, para ela, foi uma forma de "lidar com isso". Em um estilo ágil, Natália monta uma verdadeira colagem, no melhor estilo vanguardista, em que poemas de sua autoria se mesclam a trechos de jornais, de cartas e de suas próprias descrições e reflexões. É possível também perceber sua filiação com autores como Nikolai Gógol e Daniil Kharms, no cultivo da "loucura para tentar dar conta de uma realidade irreal", conforme aponta Letícia Mei no prefácio.